Parto fora do ambiente hospitalar oferece alto risco de complicações como convulsões e danos neurológicos ao bebê

O movimento intitulado Humanização do Parto teve início na segunda metade do Século XX como reação ao excesso de intervenção médica no processo do nascimento. As metas do movimento visam devolver à mulher o protagonismo do parto, o qual foi substituído pela figura do médico obstetra, garantindo à mulher o direito de escolha quanto ao modo e ao local de parto, freando as crescentes taxas de intervenções médicas, em especial a taxa de cesariana.

Neste âmbito o parto domiciliar, por ocorrer fora do ambiente hospitalar, tem sido a opção de muitas mulheres. A pandemia pelo Novo coronavírus e o temor de adquirir uma infecção no hospital é também um outro motivo pelo qual as pacientes têm optado pelo parto em casa. Entretanto, não se pode deixar de mencionar os graves riscos a que estas mulheres e seus fetos se submetem quando fazem tal opção, a qual nem sempre conhecem ou são informadas.

Além disso, é inegável que o modelo “médico-intervencionista” trouxe importante redução nas taxas de mortalidade materna e perinatal. Contribuíram enormemente para esta redução por causa da realização do parto em ambiente hospitalar; com o avanço e a segurança da cesariana em substituição ao parto distócico; o uso da ocitocina para correção do parto disfuncional e da hemorragia puerperal e o uso racional da antissepsia e da antibioticoterapia no controle da infecção obstétrica.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) defendem que o parto deve ser feito em ambiente hospitalar por oferecer mais segurança à mãe e ao recém-nascido. Isso porque o parto domiciliar está associado a um risco de duas a três vezes maior de morte neonatal quando comparado com o parto hospitalar planejado. Estudos científicos comprovam que partos realizados em ambiente hospitalar tem menor risco de gerar complicações, o que representa menores taxas de mortalidade e de morbidade para mães, fetos e recém-nascidos. As complicações hemorrágicas que podem acontecer logo após o nascimento do bebê, associada à falta de um acesso rápido a um hospital podem ser fatais para a mãe. As entidades médicas defendem que mesmo na gravidez de baixo risco, podem ocorrer complicações na hora do parto, que ninguém pode prever. A medicina bem feita compreende relação entre médico, gestante e equipe envolvida e é com esse relacionamento que se dá a humanização do parto. Atualmente, adequando-se ao Projeto Parto Adequado da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e ao projeto APICE-ON do Ministério da Saúde, os hospitais vêm se esforçando para oferecer uma estrutura que possibilite a valorização do parto vaginal, com treinamento adequado da equipe para atender as necessidades e desejos da gestante.

A decisão pelo parto domiciliar em detrimento do hospitalar, por conta da pandemia de Covid-19, levou a Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) a publicar que até o momento nenhum estudo demonstrou que o parto em ambiente não hospitalar seja mais seguro. Conforme os especialistas, o ambiente hospitalar continua sendo o mais adequado para diminuir a mortalidade materna e perinatal, pois as maternidades e hospitais obedecem a normas de segurança e cuidados específicos para redução do risco de transmissão de doenças. É importante salientar que pacientes suspeitas ou confirmadas para COVID-19 com indicação de internação hospitalar devem procurar os hospitais de referência. Portanto, não há recomendação em nenhum documento na literatura mundial para atendimento do parto de mulheres suspeitas ou confirmadas para Covid-19 em domicílios ou em Centros de Parto Normal (CPN).

Riscos

Entre as complicações que podem ocorrer durante o parto normal, colocando a saúde da mulher em perigo, estão a retenção placentária (podendo provocar hemorragia); ruptura uterina, que pode acontecer durante ou em seguida ao parto; ruptura de colo uterino e atonia uterina (quando o útero não se contrai de maneira regular causando hemorragia) e laceração de partes frágeis do períneo, que podem levar a hematoma anal e na bexiga. Para o bebê, o risco principal é a falta de oxigenação, que pode causar problemas posteriores sérios como deficiências neurológicas, motoras e de aprendizado, além de outras possíveis complicações. Todas essas intercorrências têm uma chance muito maior de serem contornadas a tempo quando a gestante está em trabalho de parto dentro do ambiente hospitalar, onde há equipe treinada e estrutura técnica adequada para a resolução de partos distócicos, além do imediato atendimento do bebê pelo médico neonatologista, o que, nestes casos, pode salvar a vida da criança e prevenir sequelas neurológicas graves.

Evidências Científicas

Evers e colaboradores4, pretendendo atestar a segurança do sistema de saúde holandês, avaliaram 37.735 nascimentos, comparando partos de gestantes de baixo risco que foram atendidas em Centros de Parto Normal (CPN), ou seja, fora do hospital, por parteiras – com os partos de gestantes de alto risco atendidas em hospitais por obstetras. Os recém-nascidos (RN) das gestantes de baixo risco atendidos pelas parteiras em CPN tiveram mais do que o dobro de mortalidade relacionada ao nascimento. As parturientes que foram encaminhadas de urgência pelas parteiras para os obstetras tiveram 3,6 vezes mais risco de mortalidade relacionada ao nascimento e 2,5 vezes mais chance de terem seus filhos internados em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal.

O estudo Birthplace in England, publicado no British Medical Journal em 2011, foi realizado para atestar a segurança do parto em ambiente não-hospitalar. A análise cuidadosa deste estudo constata que:

– O estudo que “randomizou” gestantes de baixíssimo risco para partos domiciliares, em CPNs e em hospitais, mostrou mortalidade perinatal em nulíparas com partos domiciliares 1,75 vezes maior, enquanto não houve diferença na mortalidade perinatal nas multíparas. Porém, os grupos estudados não foram homogêneos, pois 20% das parturientes “randomizadas” para parto hospitalar tinham pelo menos um fator de risco. A taxa de transferência para o hospital durante o trabalho de parto domiciliar chegou a 45% nas nulíparas e o tempo médio de transferência intra-parto para o hospital variou de 97 a 157 minutos!

Como esta prática tem se tornado frequente nos Estados Unidos, vários estudos têm sido publicados mostrando resultados assustadores. Destaca-se um pela densidade dos seus números e a gravidade dos eventos avaliados. Amos Grünebaun e cols., estudando 13.891.274 nascimentos nos EUA, entre 2007 e 2010 (dados do Center of Disease Control and Prevention -CDC), avaliaram dois desfechos compostos, dano neurológico e escore de APGAR igual a zero no 5o minuto de vida, comparando os partos atendidos por parteiras em domicílio, aqueles por parteiras em CPN e os atendidos por parteiras em hospitais com os partos atendidos por médicos em hospitais.  A chance de um RN a termo ter dano neurológico foi 2 vezes maior nos nascidos em CPN e 4 vezes maior nos nascidos em casa, enquanto a chance do bebê ter APGAR de zero no 5o minuto foi 3,5 vezes maior nos nascidos em CPN e 10,5 vezes maior nos nascidos em casa. Os RNs atendidos por parteiras em hospitais tiveram significativamente menos chances de terem APGAR de zero no 5o minuto e menos chances de terem dano neurológico quando comparados com os partos atendidos por médicos, o que pode ser explicado pelo menor risco das pacientes atendidas pelas enfermeiras  obstetrizes (midwives). Este estudo mostra também que o maior fator determinante de dano é o local de atendimento e não o profissional selecionado para fazê-lo.

 

Dra. Ana Selma Bertelli Picoloto
Presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul (Sogirgs)

 

Fontes:

Febrasgo
febrasgo.org.br/en/covid19/item/1028-protocolo-de-atendimento-no-parto-puerperio-e-abortamento-durante-a-pandemia-da-covid-19
https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/716-recomendacoes-febrasgo-parte-ii-local-para-o-parto-seguro
https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/625-assistencia-ao-nascimento-baseado-em-evidencias-e-no-respeito

Agência Nacional de Saúde
https://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/consumidor/5244-ans-lanca-nova-edicao-de-campanha-para-incentivar-parto-adequado-7

Conselho Federal de Medicina
https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23156%3Apor-oferecer-maior-seguranca-cfm-recomenda-partos-em-ambiente-hospitalar&catid=3

Evers ACC et al. Perinatal mortality and severe morbidity in low and high risk term pregnancies in the Netherlands: prospective cohort study. BMJ 2010;341:c5639

Grünebaun A & cols.  Apgar scores of 0 at 5 minutes and neonatal seizures or serious neurologic dysfunction in relation to birth seting. AJOG 2013;209:x-ex-x-ex

Grunebaum A & cols. Term Neonatal deaths resulting from home births: an increasing trend. www.ajog.org. supplement to january, 2014

Martins-Costa S. HUMANIZAÇÃO DO PARTO: ACERTOS E ERROS. Revista ADVERSO – Adufrgs – Edição 210 – Nov/Dez 2014, pg 23-24

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